domingo, 11 de novembro de 2007

Nada, absolutamente nada é estatístico

Começo este post dizendo que o título, antes de ser uma provocação, pretende ser uma reiteração e aprofundamento da idéia de Tiago. Afinal, acho que o texto está ótimo e a idéia dele sobre a realidade é até certo ponto correta. Entretanto, logo que terminei de ler o longo texto, comecei a pensar um pouco sobre tudo ser estatístico e gostaria de compartilhar minhas idéias com vocês. O post de Tiago fez-me refletir sobre a fundamentação da realidade. Para manter o espírito de contradição, pretendo não ser breve.

A idéia central da argumentação e do insight sobre a realidade física de Tiago é que existem limites intrínsecos nos instrumentos de medida usados pelos seres humanos. Isto é confirmado pelo próprio método científico, que não se dá ao luxo de fazer apenas uma medida justamente por causa das comentadas flutuações estatísticas, mas só considera resultados dentro de margens de erro mínimas. Atualmente, a teoria mais precisa neste sentido é a Teoria Quântica de Campos, que prediz resultados que chegam à precisão de cerca de 1 parte por billhão. Eu acredito que, chegando a esta margem de erro, podemos dizer que a teoria, pelo menos efetivamente, está correta. Entretanto, os errinhos originados pelas flutuações provavelmente (!) estarão sempre lá.

Tudo isso é muito bonito, a teoria é bastante precisa, mas nos restam as perguntas filosóficas que Tiago falou. Uma delas é: qual o verdadeiro sentido de termos criado esta teoria? Obviamente, a resposta está na cara: para descrevermos a realidade. Nesse ponto temos uma escolha a fazer, nos contentarmos com uma teoria efetiva, que é válida dentro de um limite de aplicabilidade, ou tentarmos continuar nosso trabalho e acharmos uma teoria mais fundamental (ou A teoria fundamental). Qual a nossa escolha? Continuar, é claro, pois senão perdemos o emprego (na verdade, a profissão deixaria de existir). Por mais que grandes mestres digam: "olha, não adianta, a quântica diz que tudo é mesmo meio incerto, deixa pra lá", nós, jovens físicos, teimamos em continuar para mostrarmos que podemos fazer mais do que eles fizeram. E assim seguimos nossas vidas criando mais dimensões (e, depois, compactificando-as).

Para podermos inventar uma teoria mais fundamental precisamos, em suma, de apenas dois requerimentos. Primeiro, a teoria deve englobar todas as outras que conhecemos e dão certo e, segundo, essa teoria deve predizer algo a mais que não é conseqüência das outras. Ou seja, precisamos ampliar nosso escopo lógico-teórico chegando até mesmo a substituir os axiomas antes vistos como fundamentais por outros. Dito isto, pegue as duas teorias mais avançadas que temos atualmente, a Relatividade Geral (RG) e a Teoria quântica de Campos (TQC). Essas teorias têm limites de aplicabilidade diametralmente opostos. Uma se preocupa com fenômenos de larga escala, até mesmo da ordem do tamanho do universo, enquanto a outra se preocupa com fenômenos microscópicos da escala dos átomos. Então, você se pergunta, quando é que faz sentido juntar as duas? Resposta: Quando o espaço estiver contraído o suficiente para as partículas começarem a sentir a gravitação. Afinal, você não espera que o elétron com sua massinha de 10^(-28) se preocupe com a atração gravitacional do próton que tem uma massa cerca de 2000 vezes maior. Só por curiosidade, a partícula elementar mais massiva que conhecemos é o quark Top que tem cerca de 1,7 Gev ~ 10^(-25) que é igual a cerca de 3000 vezes a massa do elétron. São duas as situações que nós conhecemos onde os efeitos de gravitação quântica devem se manifestar: no big-bang e num buraco negro. Legal, mesmo que consigamos criar uma teoria que tenha as duas como caso particular, tá meio difícil de comprová-las experimentalmente. Ainda não chegamos num nível tecnológico capaz de criar um buraco negro em laboratório... É uma pena. Mas, lembre-se que na época de Boltzmann ele não tinha como comprovar a existência de átomos e isso não o impediu de desenvolver sua teoria cinética dos gases (e viva o ensemble canônico!).

Continuando o nosso projeto de unificar as nossas teorias da realidade, um bom lugar pra começar é analisar o limite de aplicabilidade das duas teorias. Este limite se resume a dois tipos de problemas que são o reflexo de um conceito matemático que aflinge todas as teorias desde o tempo de Zenão: as singularidades da RG e as divergências de TQC. O conceito associado todo mundo conhece, pelo menos, desde cálculo 1: o infinito matemático! Curiosamente, o problema do infinito está intrinsecamente associado ao que nós chamamos de limite de precisão de nossas medidas. Isto tem a ver com o simples fato de nossas teorias se basearem no chamado corpo dos números Reais. É possível dividir a reta real de infinitas maneiras e continuar dividindo-a infinitamente até o fim dos tempos. Pior, vai que Joãozinho decide contar os números reais, mesmo que demore um tempo infinito. Ele vai se deparar com o pequeno problema de que a reta real é incomensurável, ou seja, não existe bijeção entre ela e os números naturais! Pois é, não dá nem pra dizer que 1,65346347348765 é chamado de Zé porque eu precisaria escrever o número completo para que seja distinguível de qualquer outro. Essa truncagem que eu fiz pode significar, na realidade, infinitos números reais que começam desse jeito. É, a vida é dura... O que eu quero chamar a atenção de vocês é justamente para esse problema intríseco de todas as nossas teorias contínuas: os resultados não podem nem ser escritos. Bom, você poderia colocar uns 3 pontinhos ali depois da última casa decimal... Mas isso não lhe dá muita informação nova. A teoria quântica cuida desse problema em parte. Em vez de termo um infinito incomensurável de valores possíveis para as quantidades física, reduzimos para um infinito comensurável. Os valores, apesar de reais a priori, podem ser contados. Entretanto, isto não resolve o problema que eu comentei. As réguas continuam não tendo limite de divisão.

Existem várias maneiras, atualmente, de lidar com os infinitos na física. Geralmente, essas teorias são chamadas de Teorias de Gravidade Quântica e são fortemente representadas por duas grandes teorias que parecem ser as mais razoáveis no momento: Teoria de Cordas e Gravidade Quântica de Loops (LQG). Hoje em dia, pode-se dizer que todo mundo já ouviu falar de cordas, mas pouca gente ouviu falar de Loops. Vou comentar um pouco sobre como estas teorias buscam fundamentar a realidade e nos permitir dizer que Nada, absolutamente nada é estatístico (Estou me esforçando para bater o recorde de Tiago de linhas!).

A Teoria de Cordas é bem simples. Suponha que os objetos mais elementares da natureza não são partículas, mas coisas chamadas cordas de (1+1) dimensões (1 de espaço e 1 de tempo). Enfim, substitua pontos por curvas fechadas (cordas abertas é outra história). Escreva a lagrageana, faça teoria de perturbação e voilá, sumiram os infinitos! É meio difícil explicar por que os infinitos somem (nem eu mesmo sei direito ainda), mas o argumento qualitativo é razoavelmente simples. Em TQC, interações podem ser representadas por diagramas de Feynman como o exemplo cru abaixo:




Não importa exatamente que interação é essa, mas apenas que a interação é pontual, i.e., existe um delta de dirac associado ao vértice no diagrama acima. Ou seja, interações pontuais levam a infinitos naturalmente. Isso não acontece em teoria de cordas, o que fica explicitado no seguinte diagrama (não reparem a cor, tou sem saco de procurar um melhor):



Em vez da interação ocorrer em um único ponto, ela se estende ao longo da corda. Além do mais, esse diagrama em cordas representa, na verdade, uma família de interações. Isto vem do fato de que as "partículas", isto é, as propriedades que identificam uma partícula tais como massa e spin, são geradas por modos normais de vibração das cordas fechadas. No final, tudo não passa de uma bela extensão de nosso paradigma harmônico oscilatório... Cabe muito bem à física como um todo o nome da turma de formandos em física de 2006.2: Oscila, mas não cai. É como Bruno sempre diz nas aulas de Teoria Quântica de Campos, "nós não somos tão criativos como dizemos ser". Pronto, agora que nós vimos que as cordinhas resolvem o problema das divergências em TQC e, de brinde, podemos descrever a gravidade como uma excitação de spin 2 de uma corda fechada (o chamado gráviton), parece que temos uma teoria da Gravidade Quântica. Bom, como todo mundo já sabe, por enquanto só parece. Primeiro, nós temos que o paradigma de cordas é de deixar qualquer autor de ficção científica de cabelo em pé. Para toda a estrutura dar certo, tem alguns requerimentos razoáveis que nós sempre fizemos em física, tais como localidade, causalidade e invariância de Lorentz (este último vem de bônus da relatividade especial). Pegue, então, o tipo mais simples de corda (sem ser super!), a chamada corda bosônica, e imponha invariância de Lorentz. Daí sai a brilhante notícia de que, para a teoria ser consistente, ela deve ter 26 dimensões! Fascinante. Bom, essa é só a teoria mais simples. Vamos complicar mais. Suponha que exista uma simetria muito bonita, chamada supersimetria, que relaciona bósons e férmions. Com uma teoria supersimétrica, podemos reduzir os graus de liberdade relevantes de nossa grande teoria! Afinal, mais simetrias significa mais quantidades conservadas. Daí surge que podemos fazer uma teoria consistente, salvo alguns problemas ainda não resolvidos, com "apenas" 11 (ou 10 !) dimensões. Beleza, agora só nos resta esconder essas dimensões pra que ninguém as veja. Tem uma estrutura matemática chamada de variedade de Calabi-Yau que pode descrever nossas dimensões extras, no caso, 7 (ou 6). Pronto, agora só nos resta compactificar essas dimensões extras de forma que elas sejam pequenas o suficiente para que ninguém as veja. Voilá, (novamente) está pronta nossa teoria! Tudo isso só por que descartamos as pobrezinhas das partículas... Pois é, apesar de eu estar tirando onda, a coisa é mesmo mais ou menos assim. O pior é que, dado que as mentes mais brilhantes do mundo acreditam nessa teoria, é bem provável (a la Tiago) que ela esteja correta. Entretanto, como eu já tinha dito, existe uma outra teoria que bem menos gente conhece...

A teoria alternativa a cordas, pelo menos no sentido de ser uma teoria de gravidade quântica, é a Gravidade Quântica de Loops (Loop Quantum Gravity). Chamemo-la de Teoria dos Loops (TL), pra simplificar. Ao contrário da TC, a TL não busca ser uma teoria de unificação de todas as forças. Enquanto a TC acredita na mecânica quântica (MQ) (e, por extensão, na TQC) e acha que a Relatividade Geral (RG)l é apenas uma aproximação de uma TQC + gravidade a baixas energias, TL acredita que a RG tem coisas novas e importantes a dizer sobre a natureza que a MQ não diz. Estes conceitos são o de independência de fundo e invariância por difeomorfismo (background independence e diffeomorphism invariance). O primeiro conceito tem a ver com a estrutura matemática que nós escolhemos na nossa teoria que, no caso de TC, é uma variedade produto de Minkowski com Calabi-Yau (que deve resultar apenas em Minkowski pós-compactificação). Portanto, background independence diz que sua teoria deve independer do plano de fundo onde acontecem as interações. Isto é realmente estranho dado que toda a física padrão que conhecemos funciona num plano de fundo escolhido. Já o segundo conceito, invariância por difeomorfismo, é simplesmente uma maneira matemática mais sofisticada de dizer invariância das leis físicas por sistema de coordenadas ou covariância. Além de independer da estrutura matemática do espaço-tempo, a teoria fundamental deve independer de coordenadas. Fica claro que, dadas essas requisições, necessitamos de nova matemática para podermos "criar o espaço-tempo do nada". Bom, eu digo que esta nova matemática existe e é a base da TL. Na realidade, existem algumas maneiras diferentes de realizar este projeto, mas isso não vem ao caso. O que importa é que o grande resultado de TL é que, dadas as requisições que comentei, o espaço-tempo deixa de ser uma entidade contínua e passar a ter uma estrutura quantizada! O espaço-tempo contínuo usado em RG é apenas uma aproximação dessa estrutura descontínua que fundamenta todo background que desejemos criar. Esta estrutura matemática é chamada de rede de spins. Aos vértices dessa rede de spins nós associamos volumes e às arestas, áreas (ver figura abaixo).



E finalmente eu cheguei onde queria dizendo que "Nada, absolutamente nada é estatístico". Se a revolução proposta pela Teoria dos Loops estiver correta, o espaço-tempo é quantizado e, portanto, existe um tamanho característico que a priori podemos calibrar nossas réguas de medida. Assim, se pudermos alcançar escalas de energia altas o suficiente para sondar essa estrutura quantizada, os erros associados a flutuações não poderão existir pois as medidas serão truncadas na escala de Planck! É razoável que exista esse limite se realmente acreditamos que exista uma teoria fundamental.

Bom, sem querer me alongar demais, decidi truncar minha exposição aqui (se eu não fui mais longo que Tiago, pelo menos coloquei 3 figuras :P). Espero que vocês tenham entendido a minha intenção juntamente com a idéia de Tiago. Realmente, estamos limitados a tirar conclusões estatísticas (médias) em face da complexidade e grande número de graus de liberdade da realidade. Entretanto, o fato de os resultados se repetirem, mesmo que na média, leva-nos a crer que exista uma realidade subjacente, um certo determinismo subjacente que nos permite tirar conclusões que são, na média, precisas. Esta é a grande base do método científico. Ele é o método mais apurado que encontramos para sondar os padrões da realidade. Enfim, apesar das coisas serem realmente meio incertas (no sentido exposto acima), acreditamos que, num nível fundamental, seja lá o que isso for, as coisas devem ter um significado finito e preciso. Era isso o que eu queria dizer. As coisas são estatísticas no sentido que escondem o fundamental que há por trás.

Agora, quanto ao mundo estar caminhando, na média, para um lugar melhor, eu tenho algumas ressalvas. Tudo bem que hoje em dia, apesar das flutuações, é mais provável alguém consiga evoluir do que há anos atrás. Por outro lado, também é mais fácil soltar bombas em outros países, acreditar em coisas falsas e é mais provável nos contradizermos, pois há muito mais informação acessível do que antigamente e mais informação significa maior complexidade e menos controle. Portanto, não adianta de nada haver mais informação se não houver mais controle. Não basta apenas querer, tem que saber o que se quer e como se quer. É necessário responsabilidade e preocupação com a verdade e com a democracia. É realmente mais provável que alguém leia o meu texto e se identifique com ele. Mas talvez também seja igualmente provável que alguém venha a discordar dele...

2 comentários:

Uljota disse...

Grande Fábio! Gostei de sua postagem e ela tangencia pontos que me estimularam a escrever... Mas como o tempo é pouco [=(] deixo pra depois.

Existe esta pequena e interessante vontade de bater records, eu vou entrar na brincadeira... Espere pra ver a próxima postagem! (A MINHA!!!!)
grande abraço a todos.

G. G. da Silva disse...

Uma contribuição para o estudo da gravitação universal

Gravidade: tudo parece se passar como se...

Resumo: neste trabalho procura-se mostrar, por meio de um processo gráfico simplificado, que a interação gravitacional, se for considerada conseqüência da curvatura do espaço-tempo tal como estabelecido na Teoria da Relatividade Geral, prescinde da ação de força e da correspondente partícula portadora, diferentemente das demais interações fundamentais.

G. G. da Silva
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